Como se fosse uma obsessão, assalta-me a dúvida: terá
valido a pena tanta entrega? O Passado volta, agora, com insistência. Regresso
à década de quarenta; regresso à década de cinquenta; regresso à década de sessenta. Foram tempos de desespero
e de esperança no Futuro. Aquele Presente resistia e nele germinava o Futuro.
Para todos, era inquestionável o fim do desespero que se vivia. E resistia-se;
e morria-se para que os demais conhecessem o Futuro. Conheci muitos que me
diziam: talvez eu não veja, mas tu verás! Um deles, um tipógrafo de assinalável
cultura obtida nos muitos textos que compunha de escritores e poetas e ensaístas.
Tuberculizara na prisão e a sua vida estava por um fio que teimou em resistir
mais do que os médicos previam. Deixou-nos nos meados da década de sessenta, mas deixou também uma saudade imensa em quantos o conheceram, o estimaram, o admiraram.
Em Portugal, o Estado Novo implantara-se em 1933, tal como
o Nacional-socialismo, na Alemanha. Em Julho de 1936, a tragédia começava na
Espanha Republicana e o seu Governo Popular, legitimado em eleições livres, foi
questionado por uma minoria rebelde, mas apoiada pela Itália fascista e pela
Alemanha nazi; as Democracias europeias ficaram olhando como se nada fosse. Em
Março de 1939, a Espanha Republicana sucumbia. O celebrado grito de Dolores
Ibarruri, La Pasionaria, «No pasarán», era sufocado pelas forças alemãs e
italianas. Vencera a fórmula desgraçadamente célebre: «Abaixo a inteligência!
Viva a morte!» O grande poeta Federico Garcia Lorca era executado nos arredores
da sua amada Granada, em Agosto de 1936. A última geração romântica, como ficou
conhecida, acorreu a Espanha, em defesa da legitimidade democrática. Muitos e
muitos das celebradas Brigadas Internacionais deram as suas vidas, derramaram o
seu sangue pelo martirizado povo de Espanha. Acreditaram no Futuro, que não
veio; acreditaram nas democracias europeias e americanas, mas em vão. O Futuro
não veio e as Democracias tinham mais que fazer do que preocupar-se com o
destino do povo de Espanha.
Quem ler «Por quem os sinos dobram», de Hemingway; «Homenagem
à Catalunha», de Orwell; «Os grandes cemitérios sob a lua», de Bernanos; «A
Esperança», de Malraux... e muitos outros textos de autores que viram claramente
vista a tragédia, in loco, poderá perceber muito do que aconteceu.
Nasci durante a Guerra dita Civil de Espanha; cresci
ouvindo falar nesses horrores e nos horrores piores ainda, estes a partir de 1
de Setembro de 1939, quando Hitler iniciava a carnificina que foi a II Grande
Guerra (1939-1945).
Apesar de todas as tragédias, os povos tinham esperança e
acreditavam no Futuro! Extraordinário! Por cá, foi o Tarrafal, foi a perseguição, foi a fome, foi a emigração, foi a Guerra Colonial... outro calvário! Um dia, os cravos floriram e todos sonhámos! Outro dia, os cravos murcharam em nome da democracia e todos perdemos. E hoje? Por onde anda a Esperança? E que
Futuro germina nos nossos peitos? Olhemos em derredor e contemos pelos dedos os
povos que se consideram felizes e os povos que têm esperança num Futuro de
felicidade!
Este meu texto nada mais pretende do que partilhar a
desesperança e apontar estes tempos em negação. Não me demito nem me rendo.
Nunca o fiz e não será agora, quase aos oitenta anos, que irei corar de
vergonha. E deixo este desejo que me foi transmitido: Muitos verão o fim da
tragédia e o alvorecer da dignidade! Eu não terei essa felicidade, o meu tempo
está a esgotar-se.
Cordiais saudações.
José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 23 de Agosto de 2015.
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