sábado, 6 de fevereiro de 2010

Carta a um Capitão de Abril e a sua Resposta...



Segunda-feira, 1 de Fevereiro de 2010
Carta a um Capitão de Abril

Estimado Capitão
Andrade da Silva

Essas Pias que tão bem recorda e fala e aonde ainda é recordado por alguns, são as “minhas” e as de Francisca, como disse o nosso amigo Carlos Domingos, poeta do mundo, que tal como ela, Francisca, foi um militante clandestino contra o fascismo de então e o de agora.
Essas Pias pertencem ao concelho de Serpa, mas já pertenceram ao de Moura antigamente. Por isso aquela moda, natural de Pias: . Isto em boa pronúncia pieira, que é como deve ser cantado. Pois eu recordo-me bem, quando o capitão, então alferes, Andrade da Silva lá andou. Se não estou em erro, até esteve na ocupação da herdade da Ínsua, perto da herdade do Alvarrão. A Ínsua fica na margem esquerda do Guadiana, já para os lados de Moura. Eu também lá estava nesse dia, trabalhando. Recordo-me de quando nos reunimos todos, sob a copa da azinheira, onde todos os dias descansávamos ao almoço. Os militares, então muitos bonitos nas suas fardas, que já não representavam tristeza, barba escura e cerrada, negros e compridos os cabelos. Soldados de arma ao ombro e revolução em riste! Imagem mítica de guerrilheiros da Sierra Maestra, transposta para o Alentejo, vermelho de esperança. A esperança estava em todos os olhares e rostos e peitos e corações. E saía para o ar provocando explosões, de alegria. Eu, rapariga nova (não o são todas as raparigas?) 16 anos! Assistia a tudo, um pouco afastada, tal como as minhas companheiras, que ali estávamos todas juntas, separadas dos homens como era o hábito. Não porque não quiséssemos estar lá junto deles, a ouvir todas as palavras e a guardá-las em nós. Mas é que os homens, tão revolucionários eram e não nos queriam lá, perto deles. Não nos deixavam chegar a certos sítios que julgam só deles, ainda hoje.
Mas nós é que já não somos raparigas novas, já nos passaram pela pele 35 anos. Já não estamos para isso, apesar das tentativas que ainda hoje alguns fazem. São pequenas revoluções que temos de travar, todos os dias. Mas essa seria outra conversa e não é chamada agora para aqui.
Pois eu e as minhas camaradas não ouvíamos todas as palavras. Chegavam-nos algumas: revolução, exploração, a terra a quem a trabalha, viva a reforma agrária. Mas no final ouvimos distintamente: viva o 25 de Abril! E todos e todas respondemos unissonamente: o povo unido jamais será vencido!
Esta é uma recordação, que eu não sei se é também do Capitão, apesar de ser Alferes então, se realmente lá esteve nesse dia ou não, mas ficou para sempre, guardada em meu coração.

25 de Abril sempre! Fascismo é que nunca mais!
Publicada por azinheira sou eu, no blog:







Quarta-feira, 3 de Fevereiro de 2010
Resposta de um Capitão de Abril
Cara Amiga

Obrigado. Andei por muitas terras, naturalmente estive perto de si, mas o problema das terras era comum a Pias e a outros lugares, mas o que me deu água pela barba foram os problemas dos lagares.

Amei Pias, como todo o Alentejo. As pessoas mexiam-se e as coisas aconteciam. Construia-se o Futuro e da minha parte nunca ao de leve passou qualquer divisão de partidos, para mim era a aliança pura do Movimento das Forças Armadas e o Povo, era a justiça em marcha, era a construção do Futuro, nunca pratiquei violência contra ninguém, mas nunca aceitei que alguém se pudesse deitar sem pão, só porque o lagar não funcionava, ou a terra não produzia, isto, nunca devia ter acontecido, e, então, depois de Abril era impensável e nunca comigo isso poderia ser tolerável.

Honro-me de ter evitado a violência, mas ter ajudado a crescer a alegria, e a fazer com que se pagasse milhares de contos em salários em atraso. Todos os latifundiários denunciados por essa prática cobarde, depois de muita resistência lá arranjaram os trocos para pagarem

Ao povo de Pias um grande abraço e para si.

Andrade da Silva
Gentilmente "retirado" do blog: www.soplanicie.blogspot.com
a quem se agradece, reconhecido, a gentileza.

4 comentários:

andrade da silva disse...

Um grande e comovido abraço. Muito Obrigado.

Hoje passei longas horas a ler o relato de Machado dos Santos sobre o 5 de Outubro de 1910- que paralelismo! Falarei um dia destes sobre isso.

Muito Obrigado. Aquele abraço que só o dia inteiro consente.
asilva

Jerónimo Sardinha disse...

Por esta e outras, por vezes, julgo que valeu a pena...

Caro Andrade da Silva,

Há tempo havia chamado a tua atenção para o caso Machado Santos.
Heróico, estóico e... assassinado, por dentro da revolução!
Talvez por ser da "minha guerra", sempre me despertou muito interesse, principalmente pelo idealismo e entrega.

É bom saber que ainda há gente de Abril. São tão poucos!!!

Grande e Fraterno Abraço,
Jerónimo Sardinha

eulalia miranda disse...

Para que a memória não se apague temos que prosseguir a luta pelos ideais de Abril.

É com enorme satisfação que tenho vindo a acompanhar as tuas posições como militar de Abril.
Os trabalhadores Agricolas Alentejanos adoravam-te ajudas-te com outros teus companheiros do MFA a realizar o seu sonho de longos anos a Reforma Agrária no Alentejo.
Recordo-te nos momentos de convívio depois de um dia de luta na Sociedade Joaquim António da Guiar, em Évora,tu foste daqueles que contribuiste para as grandes alegrias dos Alentejanos,tudo para nós estava claro, os trabalhadores só queriam a terra para produzir e daí tirar o sustento, para si e os seu filhos.
Hoje já lá vão 35 anos,encaro actualmente com alguma tristeza o que se passa no nosso país assistimos a uma politica de direita, deste governo sempre em prejuízo dos mais pobres,por vezes dou comigo a pensar, não foi para isto que nós na altura jovens de esquerda participamos e fizemos o 25 de Abril.
Logo de seguida penso, nós somos uma geração que não pode desistir, os mais velhos passaram a nós uma dupla responsabilidade em prosseguir a luta e passar o testemunho aos mais jovens aos nossos filhos que não viveram Abril.

Para que a memória não se apague temos que assumir este Compromisso Prosseguir a luta.

Andrade e Silva a Democracia precisa de Homens e Mulheres como tu.
muitas felicidades

Eulália Miranda

andrade da silva disse...

Querida amiga Eulália Miranda

Um grande abraço.

Foi o grande tempo, já não o voltaremos a viver,mas não nos calaremos, a injustiça será a marca de água dos tempos vindoiros, mas lutaremos.

abraço
asilva